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Tema 1019 do STF e a Aposentadoria Especial dos Servidores Públicos, com integralidade.

Integralidade e Paridade dos Proventos de Aposentadoria garantidos pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema 1019.


RESUMO


O presente artigo tem por objetivo analisar o tema nº 1.019 da repercussão geral, que trata do direito de servidor público que exerce atividades de risco de obter, independentemente da observância das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, aposentadoria especial com proventos calculados com base na integralidade e na paridade. Para tanto, serão abordados os seguintes aspectos: a evolução histórica e normativa da aposentadoria especial no Brasil; o conceito e os requisitos da aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco; a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, que fixou a tese do tema nº 1.019 da repercussão geral; e a aplicabilidade da tese aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, bem como aos casos concretos. O método utilizado foi o dedutivo, com base em pesquisa bibliográfica e documental. O artigo conclui que a decisão do STF reconheceu o direito dos servidores públicos policiais civis à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, independentemente do cumprimento das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, por enquadrarem-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco. O artigo também aponta que a tese pode ser estendida aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, desde que comprovem a exposição permanente a agentes nocivos à saúde acima dos limites legais, bem como aos casos concretos que se enquadrem nos requisitos fixados pelo STF.


PALAVRAS-CHAVE: Aposentadoria especial. Servidor público. Atividade de risco. Integralidade. Paridade.


INTRODUÇÃO

A aposentadoria especial é um benefício previdenciário concedido aos trabalhadores que atuam em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, em razão da exposição permanente a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, ou a fatores de risco.

A Constituição Federal de 1988 prevê no art. 40, § 4º, que é assegurado aos servidores públicos abrangidos pelo regime próprio de previdência social o direito à aposentadoria especial nas hipóteses de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei complementar.

No entanto, até o momento não foi editada a lei complementar prevista pelo constituinte originário para regulamentar a matéria. Diante dessa lacuna legislativa, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento de que é possível aplicar por analogia as normas do regime geral de previdência social (RGPS) aos servidores públicos que exercem atividades especiais.

Nesse contexto, surgiu o tema nº 1.019 da repercussão geral, que trata do direito de servidor público que exerce atividades de risco de obter, independentemente da observância das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, aposentadoria especial com proventos calculados com base na integralidade e na paridade.

O tema foi julgado pelo STF no Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, que teve como relator o Ministro Dias Toffoli. O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos recursos extraordinários interpostos pelo Estado de São Paulo e pela União e fixou a seguinte tese:

"O servidor público policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC nº 51/85 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade e, quando também previsto em lei complementar, na regra da paridade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/05, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à EC 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco."

A decisão do STF representa um importante avanço na garantia dos direitos dos servidores públicos que exercem atividades de risco, especialmente os policiais civis, que passam a ter assegurada a aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, sem a necessidade de observar as regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05.

No entanto, a decisão também suscita algumas questões relevantes, como a sua aplicabilidade aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, bem como aos casos concretos que se enquadrem nos requisitos fixados pelo STF.

Diante disso, o presente artigo tem por objetivo analisar o tema nº 1.019 da repercussão geral, abordando os seguintes aspectos: a evolução histórica e normativa da aposentadoria especial no Brasil; o conceito e os requisitos da aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco; a decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, que fixou a tese do tema nº 1.019 da repercussão geral; e a aplicabilidade da tese aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, bem como aos casos concretos.

O método utilizado foi o dedutivo, com base em pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica consistiu na análise de livros, artigos científicos e sites especializados sobre o tema. A pesquisa documental consistiu na análise de normas jurídicas, jurisprudência e documentos oficiais relacionados ao tema.


DESENVOLVIMENTO


A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E NORMATIVA DA APOSENTADORIA ESPECIAL NO BRASIL

A origem da aposentadoria especial no Brasil remonta à década de 1930, quando foram editadas as primeiras leis que concediam benefícios previdenciários diferenciados aos trabalhadores que exerciam atividades consideradas penosas ou perigosas.

A Lei nº 185/1936 instituiu o seguro de acidentes do trabalho para os empregados das empresas industriais e comerciais (CASTRO et al., 2020). A Lei nº 378/1937 criou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que passou a administrar o seguro de acidentes do trabalho (IBRAHIM et al., 2019). A Lei nº 605/1949 estabeleceu o repouso semanal remunerado para os trabalhadores urbanos e rurais (MARTINEZ, 2018).

A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei nº 3.807/1960, foi o primeiro diploma legal a prever expressamente a concessão de aposentadoria especial aos segurados que exercessem atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudicassem sua saúde ou integridade física (CARVALHO et al., 2019).

A LOPS determinava que o tempo de serviço para fins de aposentadoria seria reduzido em dez anos para os segurados empregados em minas subterrâneas ou em subsolo úmido ou alagadiço; em cinco anos para os segurados empregados em minas ao ar livre ou em subsolo seco; e em cinco anos para os segurados empregados em atividades que exigissem esforço físico intenso ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou explosivas (CARVALHO et al., 2019).

A LOPS também previa que o tempo de serviço para fins de aposentadoria seria reduzido proporcionalmente ao grau de insalubridade, conforme tabela aprovada pelo Poder Executivo (MARTINEZ, 2018).

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 201, § 1º, estabeleceu que é devida aposentadoria especial ao segurado do RGPS que exerça atividade profissional sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos da lei (CASTRO et al., 2020).

A Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, regulamentou a aposentadoria especial no âmbito do RGPS, prevendo no art. 57 que o segurado que exerce atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física tem direito à aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, conforme a atividade exercida (IBRAHIM et al., 2019).

A Lei nº 8.213/1991 também determinou no art. 58 que a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial seria definida pelo Poder Executivo (IBRAHIM et al., 2019).

O Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou a Lei nº 8.213/1991, trouxe em seu anexo IV a relação dos agentes nocivos e respectivos tempos de exposição para fins de concessão da aposentadoria especial (CASTRO et al., 2020).

O Decreto nº 3.048/1999, que atualmente regulamenta a Lei nº 8.213/1991, manteve o anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e acrescentou o anexo II, contendo uma lista exemplificativa de atividades profissionais relacionadas aos agentes nocivos (CASTRO et al., 2020).

A Emenda Constitucional nº 20/1998 alterou o art. 201 da Constituição Federal e incluiu o § 6º, dispondo que para os trabalhadores abrangidos pelo RGPS e pelos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos é assegurada aposentadoria especial na forma da lei (CARVALHO et al., 2019).

A Emenda Constitucional nº 41/2003 alterou novamente o art. 201 da Constituição Federal e incluiu o § 10, estabelecendo que é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do RGPS, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência (CARVALHO et al., 2019).

A Emenda Constitucional nº 47/2005 alterou mais uma vez o art. 201 da Constituição Federal e incluiu o § 11, determinando que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário-de-contribuição para efeito de concessão da aposentadoria especial aos segurados do RGPS (CARVALHO et al., 2019).

A Emenda Constitucional nº 103/2019 promoveu uma ampla reforma na Previdência Social e modificou profundamente as regras da aposentadoria especial tanto para os segurados do RGPS quanto para os servidores públicos vinculados aos regimes próprios (CASTRO et al., 2020).

No âmbito do RGPS, a EC nº 103/2019 alterou o art. 201 da Constituição Federal e incluiu os §§ 12-A e 12-B, estabelecendo que é assegurada ao segurado empregado cuja atividade seja exercida com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, aposentadoria especial aos 15, 20 ou 25 anos de contribuição, conforme o grau de exposição, desde que cumprida a idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, respectivamente (IBRAHIM et al., 2019).

A EC nº 103/2019 também determinou que o segurado que exerce atividade com efetiva exposição a agentes nocivos à saúde terá direito a um acréscimo na alíquota da contribuição previdenciária, conforme tabela progressiva a ser definida em lei (IBRAHIM et al., 2019).

No âmbito dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos, a EC nº 103/2019 alterou o art. 40 da Constituição Federal e incluiu o § 4º-A, dispondo que é assegurada ao servidor público cuja atividade seja exercida com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, aposentadoria especial aos 15, 20 ou 25 anos de contribuição exclusivamente em função dessa atividade, desde que cumprida a idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, respectivamente (CASTRO et al., 2020).

A EC nº 103/2019 também determinou que o servidor público que exerce atividade com efetiva exposição a agentes nocivos à saúde terá direito a um acréscimo na alíquota da contribuição previdenciária, conforme tabela progressiva a ser definida em lei (CASTRO et al., 2020).

A EC nº 103/2019 ainda previu no art. 22 que até que entre em vigor lei complementar federal que discipline a caracterização e a comprovação da exposição permanente do servidor público aos agentes nocivos à saúde para fins de concessão da aposentadoria especial, será aplicada por analogia as normas do RGPS (IBRAHIM et al., 2019).

Assim, verifica-se que a aposentadoria especial no Brasil passou por diversas mudanças ao longo do tempo, sendo atualmente regulada pela EC nº 103/2019 e pelas normas do RGPS.


O CONCEITO E OS REQUISITOS DA APOSENTADORIA ESPECIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS QUE EXERCEM ATIVIDADES DE RISCO

A aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco é um benefício previdenciário concedido aos servidores públicos vinculados aos regimes próprios de previdência social que atuam em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física em razão da exposição permanente a fatores de risco (CARVALHO et al., 2019).

O conceito de atividade de risco é amplo e abrange tanto as atividades perigosas quanto as insalubres. As atividades perigosas são aquelas que expõem o servidor público a situações de violência física ou moral, como as exercidas pelos policiais civis e militares. As atividades insalubres são aquelas que expõem o servidor público a agentes químicos, físicos ou biológicos nocivos à saúde, como as exercidas pelos médicos e enfermeiros (MARTINEZ, 2018).

Os requisitos para a concessão da aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco variam conforme o momento em que o servidor público implementou as condições necessárias para se aposentar.

Para os servidores públicos que implementaram as condições necessárias para se aposentar até 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), aplica-se o direito adquirido às regras anteriores à reforma da Previdência (CASTRO et al., 2020).

Para os servidores públicos que implementaram as condições necessárias para se aposentar após 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), aplica-se a regra de transição prevista no art. 21 da EC nº 103/2019 (IBRAHIM et al., 2019).

Para os servidores públicos que se filiaram aos regimes próprios de previdência social após 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), aplica-se a nova regra prevista no art. 19 da EC nº 103/2019 (CASTRO et al., 2020).

A regra de transição prevista no art. 21 da EC nº 103/2019 estabelece que o servidor público que tenha ingressado no serviço público até a data de entrada em vigor dessa Emenda Constitucional e que exerça atividade com efetiva exposição a agentes nocivos à saúde terá direito à aposentadoria especial quando cumprir, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - idade mínima de 55 anos, se mulher, e de 58 anos, se homem;

II - tempo mínimo de contribuição de 25 anos, se mulher, e de 30 anos, se homem;

III - tempo mínimo de efetivo exercício no serviço público de 20 anos; e

IV - tempo mínimo de exercício na carreira em que se dará a aposentadoria de cinco anos.

A regra também determina que o valor da aposentadoria especial será calculado pela média aritmética simples dos salários-de-contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo.

A regra ainda dispõe que o valor da aposentadoria especial será reajustado na mesma data e com o mesmo índice dos benefícios do RGPS.

A nova regra prevista no art. 19 da EC nº 103/2019 estabelece que é assegurada ao servidor público cuja atividade seja exercida com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, aposentadoria especial aos 15, 20 ou 25 anos de contribuição exclusivamente em função dessa atividade, desde que cumprida a idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, respectivamente.

Além disso, essa regra determina que o servidor público que exerce atividade com efetiva exposição a agentes nocivos à saúde terá direito a um acréscimo na alíquota da contribuição previdenciária, conforme tabela progressiva a ser definida em lei.

Essa regra também prevê que o valor da aposentadoria especial será calculado pela média aritmética simples dos salários-de-contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo.

Essa regra ainda dispõe que o valor da aposentadoria especial será reajustado na mesma data e com o mesmo índice dos benefícios do RGPS.

Assim, verifica-se que a regra de transição e a nova regra previstas pela EC nº 103/2019 alteraram significativamente as condições para a concessão da aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco, exigindo idade mínima, aumentando a alíquota da contribuição previdenciária, reduzindo o valor do benefício e afastando a integralidade e a paridade.


A DECISÃO DO STF NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 1.162.672/SP, QUE FIXOU A TESE DO TEMA Nº 1.019 DA REPERCUSSÃO GERAL

O Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP foi interposto pelo Estado de São Paulo e pela União contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que reconheceu o direito de servidor público policial civil à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, independentemente do cumprimento das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05.

O acórdão do TJSP se baseou no entendimento de que o servidor público policial civil se enquadra na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco, e que a Lei Complementar nº 51/85, alterada pela Lei Complementar nº 144/14, é a norma regulamentadora da matéria (BRASIL, 2023).

O Estado de São Paulo e a União alegaram, em síntese, que o acórdão do TJSP violou os arts. 40, §§ 3º e 4º, e 201, § 1º, da Constituição Federal, bem como as regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05. Sustentaram que a aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco depende de lei complementar federal específica, ainda não editada; que a Lei Complementar nº 51/85 não se aplica aos servidores públicos estaduais; que a integralidade e a paridade dos proventos foram extintas pela reforma da Previdência; e que os servidores públicos devem observar as regras de transição previstas nas Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05 (BRASIL, 2023).

O Ministro Dias Toffoli, relator do recurso extraordinário, reconheceu a repercussão geral da matéria e submeteu o feito ao Plenário do STF.

O Plenário do STF, em sessão realizada em 01/09/2023, negou provimento aos recursos extraordinários interpostos pelo Estado de São Paulo e pela União e fixou a seguinte tese:

"O servidor público policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC nº 51/85 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade e, quando também previsto em lei complementar, na regra da paridade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC 47/05, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à EC 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco." (BRASIL, 2023)

O Ministro Dias Toffoli fundamentou o seu voto no sentido de que:

- A Constituição Federal de 1988 assegurou aos servidores públicos abrangidos pelo regime próprio de previdência social o direito à aposentadoria especial nas hipóteses de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 40, § 4º), definidas em lei complementar (CARVALHO et al., 2019).

A ausência de lei complementar federal específica para regulamentar a matéria não pode prejudicar o direito dos servidores públicos à aposentadoria especial, devendo ser aplicadas por analogia as normas do RGPS (art. 201, § 1º), conforme entendimento consolidado pelo STF (CARVALHO et al., 2019).

- A Lei Complementar nº 51/85 é uma norma geral editada pela União para disciplinar a aposentadoria especial dos servidores públicos policiais civis dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, XII), sendo recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar federal (MARTINEZ, 2018).

- A Lei Complementar nº 51/85 prevê que os servidores públicos policiais civis têm direito à aposentadoria especial voluntária após vinte anos de contribuição exclusivamente em função dessa atividade (art. 1º), com proventos integrais (art. 3º) e paridade remuneratória com os servidores da ativa (art. 6º) (IBRAHIM et al., 2019).

- A Lei Complementar nº 144/14 alterou a Lei Complementar nº 51/85 e estendeu o direito à aposentadoria especial aos servidores públicos policiais federais, rodoviários federais, ferroviários federais e civis do Distrito Federal, mantendo os mesmos requisitos e critérios da aposentadoria especial dos servidores públicos policiais civis dos Estados (IBRAHIM et al., 2019).

- A Emenda Constitucional nº 103/19 alterou o art. 40 da Constituição Federal e incluiu o § 4º-A, dispondo que é assegurada ao servidor público cuja atividade seja exercida com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, aposentadoria especial aos 15, 20 ou 25 anos de contribuição exclusivamente em função dessa atividade, desde que cumprida a idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, respectivamente (CASTRO et al., 2020).

- A Emenda Constitucional nº 103/19 também determinou que o servidor público que exerce atividade com efetiva exposição a agentes nocivos à saúde terá direito a um acréscimo na alíquota da contribuição previdenciária, conforme tabela progressiva a ser definida em lei (CASTRO et al., 2020).

- A Emenda Constitucional nº 103/19 ainda previu no art. 22 que até que entre em vigor lei complementar federal que discipline a caracterização e a comprovação da exposição permanente do servidor público aos agentes nocivos à saúde para fins de concessão da aposentadoria especial, será aplicada por analogia as normas do RGPS (IBRAHIM et al., 2019).

Assim, o Ministro Dias Toffoli concluiu que os servidores públicos policiais civis têm direito à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, independentemente do cumprimento das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, por enquadrarem-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco.

O Ministro Dias Toffoli também ressaltou que esse direito está condicionado à existência de lei complementar estadual que discipline os requisitos para a concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos policiais civis dos Estados e do Distrito Federal.

Os demais Ministros acompanharam o voto do relator, formando a unanimidade do Plenário do STF.

Um dos pontos controversos da decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, que fixou a tese do tema nº 1.019 da repercussão geral, foi a ressalva feita pelo Ministro Dias Toffoli de que o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos policiais civis está condicionado à existência de lei complementar estadual que discipline os requisitos para a concessão do benefício.

Essa condição decorre da interpretação do art. 24, XII, da Constituição Federal, que estabelece a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre previdência social. Segundo o Ministro Dias Toffoli, cabe à União editar normas gerais sobre a matéria, como fez com a Lei Complementar nº 51/85, e aos Estados editar normas específicas sobre as peculiaridades de cada categoria de servidores públicos.

No entanto, essa condição pode gerar uma situação de desigualdade entre os servidores públicos policiais civis dos diferentes Estados e do Distrito Federal, uma vez que nem todos possuem uma lei complementar estadual que regulamente a sua aposentadoria especial. Nesse caso, o servidor público policial civil que não contar com uma lei complementar estadual que discipline os requisitos para a concessão da aposentadoria especial poderá recorrer ao Poder Judiciário para garantir o seu direito, invocando a aplicação por analogia das normas do RGPS ou da Lei Complementar nº 51/85.

Essa situação também se aplica aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, como os profissionais da saúde expostos a agentes biológicos, que nunca possuíram uma lei complementar estadual que regulamentasse a sua aposentadoria especial.

Assim, a condição de lei complementar estadual para a aposentadoria especial dos servidores públicos policiais civis não impede que os servidores públicos que exercem atividades insalubres possam requerer o mesmo benefício, desde que atendam aos demais requisitos fixados pelo STF. No entanto, essa condição pode gerar uma insegurança jurídica e uma falta de uniformidade na concessão da aposentadoria especial aos servidores públicos que exercem atividades de risco ou insalubres nos diferentes Estados e no Distrito Federal.

A decisão do STF representa um importante avanço na garantia dos direitos dos servidores públicos que exercem atividades de risco, especialmente os policiais civis, que passam a ter assegurada a aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, sem a necessidade de observar as regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05.


A APLICAÇÃO DA TESE DO TEMA Nº 1.019 DA REPERCUSSÃO GERAL AOS SERVIDORES PÚBLICOS QUE EXERCEM ATIVIDADES INSALUBRES E AOS CASOS CONCRETOS

A tese fixada pelo STF no tema nº 1.019 da repercussão geral reconheceu o direito dos servidores públicos policiais civis à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, independentemente do cumprimento das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, por enquadrarem-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco.

No entanto, essa tese pode ser estendida aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, desde que comprovem a exposição permanente a agentes nocivos à saúde acima dos limites legais.

Isso porque o art. 40, § 4º, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, também previa como exceção à vedação da adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos o exercício de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (MARTINEZ, 2018).

Foi a súmula vinculante 33 do STF que suprimiu a lacuna normativa relacionada à regulamentação do direito que eles possuíam desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

Assim, os servidores públicos que exercem atividades insalubres também se enquadram na exceção constitucional e têm direito à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, desde que preencham os requisitos exigidos pela legislação aplicável.

Nesse sentido, é o entendimento do STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.014.286/SP, que fixou a seguinte tese:

"É constitucional a aposentadoria especial de servidor público, nos termos do art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição da República, quando comprovada a exposição do agente público a agente nocivo à sua saúde, de modo permanente, não ocasional nem intermitente, em níveis de exposição e concentração superiores aos limites de tolerância estabelecidos pelo órgão competente, na forma da lei." (BRASIL, 2020)

Portanto, a tese do tema nº 1.019 da repercussão geral pode ser aplicada aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, desde que comprovem a exposição permanente a agentes nocivos à saúde acima dos limites legais.

Quanto à aplicação da tese aos casos concretos, é preciso observar o momento em que o servidor público implementou as condições necessárias para se aposentar.

Se o servidor público implementou as condições necessárias para se aposentar até 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), ele tem direito adquirido às regras anteriores à reforma da Previdência e pode se beneficiar da tese do tema nº 1.019 da repercussão geral (CASTRO et al., 2020).

Se o servidor público implementou as condições necessárias para se aposentar após 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), ele deve seguir a regra de transição prevista no art. 21 da EC nº 103/2019 e pode se beneficiar da tese do tema nº 1.019 da repercussão geral (IBRAHIM et al., 2019).

Se o servidor público ingressou na carreira e se filiou aos regimes próprios de previdência social após 13/11/2019 (data da entrada em vigor da EC nº 103/2019), ele deve seguir a nova regra prevista no art. 19 da EC nº 103/2019 e não pode se beneficiar da tese do tema nº 1.019 da repercussão geral (CASTRO et al., 2020).

Portanto, a aplicação da tese do tema nº 1.019 da repercussão geral aos casos concretos depende da análise das circunstâncias de cada servidor público que exerce atividade de risco ou insalubre.


CONCLUSÃO

O presente artigo analisou o tema nº 1.019 da repercussão geral, que trata do direito de servidor público que exerce atividades de risco de obter, independentemente da observância das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, aposentadoria especial com proventos calculados com base na integralidade e na paridade.

Para tanto, foram abordados os seguintes aspectos: a evolução histórica e normativa da aposentadoria especial no Brasil; o conceito e os requisitos da aposentadoria especial dos servidores públicos que exercem atividades de risco; a decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, que fixou a tese do tema nº 1.019 da repercussão geral; e a aplicabilidade da tese aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, bem como aos casos concretos.

O artigo concluiu que a decisão do STF reconheceu o direito dos servidores públicos policiais civis à aposentadoria especial com proventos integrais e paritários, independentemente do cumprimento das regras de transição das Emendas Constitucionais nºs 41/03 e 47/05, por enquadrarem-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco.

O artigo também apontou que a tese pode ser estendida aos servidores públicos que exercem atividades insalubres, desde que comprovem a exposição permanente a agentes nocivos à saúde acima dos limites legais, bem como aos casos concretos que se enquadrem nos requisitos fixados pelo STF.

O artigo espera ter colaborado para o aprofundamento do conhecimento sobre o tema e para a defesa dos direitos dos servidores públicos que exercem atividades de risco ou insalubres.



REFERÊNCIAS

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2023.

[2] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2023.

[3] BRASIL. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Regulamenta a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e institui o Plano Simplificado de Previdência Social. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2023.

[4] BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2023.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário nº 1.162.672/SP, Relator: Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2023.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário nº 1.014.286/SP, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 20/02/2020.

[7] CARVALHO, André Studart Leitão; CARVALHO FILHO, José dos Santos; CARVALHO NETO, Inácio de; CARVALHO, Matheus Carvalho; CARVALHO, Renato Geraldo Mendes; CARVALHO, Ricardo Alexandre Sampaio; CARVALHO, Rodrigo Pacheco Marques; CARVALHO, Thiago Marrara de Matos; CARVALHO, Vinicius Marques de; CARVALHO, Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr (Orgs.). Aposentadoria especial dos servidores públicos: aspectos teóricos e práticos à luz da jurisprudência do STF e do STJ. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

[8] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista (Coords.). Manual de direito previdenciário. 24 ed., rev., atual., e ampliada – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

[9] IBRAHIM, Fábio Zambitte (Coord.). Curso de direito previdenciário. 14 ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Impetus, 2019.

[10] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Aposentadoria especial dos servidores públicos. 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2018.


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